ONZENEIRO
Eis um cristão que conservava algo de comum com os judeus: a sua paixão pelo capital. Era um usurário que enriquecera à custa dos altos juros de dinheiro, que emprestara aos necessitados – um antepassado dos nossos modernos penhoristas, a quem o Diabo chama, com toda a propriedade, seu «parente». Empresta dinheiro e leva 11 por cento aos que lhe pedem emprestado.
Apresenta-se no cais com um bolsão que ocupa quase toda a barca. O Onzeneiro informa-nos que vai vazio, certamente porque não pudera trazer com ele o que qu deixou bem escondidos. Mas é só neles que ele pensa e chega a rogar ao Diabo que o deixe voltar ao mundo para ir buscá-los. Mas ali, no espaço para além da vida, apresenta-se tão pobre que nem sequer dispõe duma moeda para pagar ao barqueiro que deverá levar a sua alma nesta viagem de morrer. Isto leva-o a pensar, embora erradamente, que o companheiro do Diabo troça dele por o ver tão miserável.
In FIUZA, M., Auto da Barca do Inferno (edição didática), Porto Editora, 2011 (adapt.)
Síntese:
O Onzeneiro simboliza a burguesia e um vício social da época. Era um usurário que enriquecera à custa de altos juros do dinheiro que emprestara aos necessitados, a quem o Diabo chama meu parente.
Símbolos cénicos
Bolsão – símbolo da sua atividade e, por isso, dos seus pecados (a ambição e avareza).
Caracterização
Avarento e ambicioso; representa a prática de cobrar juros muito elevados (11%).
Argumentos de defesa
Afirma que a bolsa está vazia e quer voltar à terra para ir buscar dinheiro para pagar a passagem (referência ao Mito de Caronte);
Argumentos de acusação
Acusam-no de ter sido sempre ajudado por Satanás; e que o bolsão, mesmo vazio, ocupará muito espaço com o seu pecado (a avareza).
Há exemplos de cómico de linguagem ( exemplos de Ironia, por parte do Diabo), de cómico de situação (Pede para ir à outra vida buscar o dinheiro que lá deixou, não teve tempo de o trazer) e de cómico de caráter (pensa que o dinheiro o salvará e quer ir buscá-lo à outra vida)
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